Renata Bicalho

Escritora

Sinto o cheiro de grama recém cortada, escuto o ruído da chuva leve que cai lá fora e saboreio um chá de hortelã, enquanto acaricio suavemente a barriga do meu cachorro. Mas são os olhos que, neste momento, me puxam de volta do mundo etéreo para a realidade. Uma palavra, no meio de tantas outras, se destaca na página do livro que estou lendo nessa tarde cinza. A palavra brilha como um raio de sol que chega, inesperado, refletindo em um pequeno pedaço de vidro caído no meio do jardim. Se destaca como um pimentão verde em uma banca de pimentões vermelhos na feira, ou como a lua cheia que ilumina, sozinha, o céu escuro. São tantos os exemplos que posso dar sobre a forma de se destacar mas, no fundo, o que importa não é a forma, mas sim o porquê. A luz nos guia a visão, mas é a intuição, essa voz suave e discreta que podemos ouvir quando prestamos atenção, essa voz que não é um som, mas um sentimento, um arrepio, um sopro diferente do ar, um clique na mente ou mesmo uma coceira atrás da orelha. É a intuição a mais sábia das nossas amigas, a melhor conselheira que podemos ter. A parte difícil da relação fica por conta do ruído, todo o barulho que fazemos constantemente aqui dentro. Como é difícil silenciar o nosso universo particular! Leva tempo, prática, tentativas, meditações, atividades físicas, malabarismo e até ficar de ponta cabeça para silenciar a multidão de vozes que insistem em gritar. Só assim, no vazio, que ela, a quieta e introvertida intuição, começa a tomar coragem de se manifestar. E ela fala de mansinho, suave, ela quase sussurra, e sua potência é inversamente proporcional à sua sabedoria. A intuição sabe. Ela não duvida, não hesita, não volta atrás, ela sabe e pronto. E foi a danada da intuição que me cutucou de mansinho e fez brilhar aquela única palavra, no meio de milhares de outras naquele livro. Naquele instante sagrado, deixei de sentir o cheiro da grama recém cortada, não escutei a chuva que caia, não saboreei o chá de hortelã e meu cachorro ficou esperando pelo carinho que não chegou. Naquele momento, a intuição convocou todos os meus sentidos para a única palavra que brilhou no meio da página: esperança. (R.B.)

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