Renata Bicalho

Escritora

1. Elefante ao Mar 

(Primeiro Capítulo do livro “O Jardim de Chloe”, de Renata Bicalho)

“A boneca Maya vivia na Índia, em uma loja de brinquedos na beira da praia. Ela era linda, de cabelos longos e cor de chocolate, um sorriso doce, um brilho bonito nos olhos cor de mel e um pontinho vermelho no meio das sobrancelhas. 

Ela usava jóias e roupas típicas de cor laranja e com detalhes dourados.

Maya ficava sempre em uma prateleira alta com vista privilegiada para o mar. Ela via a praia e as pessoas que passavam por ali todos os dias: desde pescadores que chegavam de madrugada para buscar o ganha-pão diário, até famílias inteiras que vinham se distrair ao sol e recarregar as energias na água salgada do mar. 

A boneca observava o mundo e achava normal quase tudo. Quase, porque naquela região vivia um elefante solitário que costumava caminhar pela praia todas as tardes. 

O elefante não era nem filhote, nem velho. Nem muito pequeno, nem muito grande.  Ele tinha orelhas cinzas, grandes e caídas, e seu olhar – sempre para o oceano em algum ponto distante dali – indicava um coração triste. Seus dentes de marfim haviam sido cortados por caçadores.

Ele costumava caminhar lentamente pela areia, suas patas tocando as ondas que se desfaziam em espuma, enquanto o sol tocava a linha do mar e o céu se pintava de vermelho e laranja. A cena se repetia quase todo final de tarde. 

Um dia, a boneca conseguiu escapar da loja se escondendo na sacola de compras de uma cliente. Ela esperou a moça atravessar a rua para o lado da praia e pulou da bolsa. Caminhou até o elefante solitário que estava ali sentado e começou a conversar com ele. 

“Oi seu elefante, tudo bem? Sou a Maya. Vivo naquela loja de presentes esperando que alguém me compre e me leve pra casa. Vejo você sempre aqui sozinho olhando para o horizonte. Você gosta muito de ver o sol se pôr, não é?” 

O elefante achou estranho uma boneca conversando com ele, e se incomodou pelo atrevimento dela em interromper seus pensamentos e sua solidão. 

“Quem ela achava que era?” Ele pensou. 

Maya não se importou pela falta de resposta. Ela era uma menina curiosa, alegre e cheia de vida. Queria conhecer o mundo e entender tudo, então continuou falando. 

“Sabe seu elefante, eu também gosto de ver o movimento da praia! Gosto de ver as crianças brincando na areia ou nas ondas do mar. Gosto de ver os pescadores quando voltam felizes com suas redes cheias de peixes. Gosto de ver os cachorros que passeiam com seus donos, mas o momento mais curioso do meu dia é sempre quando vejo você caminhando. Fico imaginando em que você estaria pensando. Você parece muito triste. Já pensei até em te sugerir uma música para ouvir e se alegrar um pouco, mas não sei qual o seu estilo musical favorito. O que você gosta de fazer para se divertir? Por que você está tão triste?”

O elefante se deu por vencido. Entendeu que a boneca curiosa e falante não o deixaria em paz enquanto ele não conversasse com ela. 

Resolveu responder de forma curta e objetiva, tentando não render muito o assunto.

“Qual é o seu nome mesmo? Ah sim, Maya. Olha, eu não sou um cara de muita conversa. Gosto de estar sozinho com os meus pensamentos e as minhas memórias. Venho aqui para imaginar como seria se eu pudesse nadar e ir morar naquela ilha ali adiante.”  

“Morar na ilha? Aquela lá da frente, cheia de plantas, flores e pássaros, mas sem ninguém? Por que você gostaria de morar sozinho?” Maya perguntou. 

“Eu não estaria sozinho. Estaria longe do ser humano, esse bicho cruel que matou meus amigos e minha família. Estaria livre dos homens e no meio da natureza, das flores, das plantas, da praia, dos pássaros, dos peixes e de todos os outros animais que vivem por ali.” 

“Ah entendi! Mas se isso te deixaria tão feliz, porque você não nada até lá? Realize seu sonho!” Disse a boneca.

“Eu não sei nadar. Tenho medo da água. Tenho medo de não conseguir chegar até a ilha”, ele respondeu. 

“Seu elefante, será que você tem medo da água ou o medo é de mudar a sua vida? Do desconhecido? Você pode estar tão acostumado à sua tristeza que talvez te assuste a ideia de ser feliz de verdade na ilha. Se é esse o seu sonho e se viver lá fará você feliz, seja corajoso. Vai com medo, mas vai”, disse Maya.

O elefante ficou chocado com a franqueza e a petulância da boneca e pensou, “como essa boneca do tamanho de uma formiga ousa falar assim comigo?”

Levantou-se e foi embora, com seu ego ferido por uma menina que praticamente o chamou de covarde.

Ele passou vários dias digerindo a raiva que sentia pela boneca. Não caminhava na praia para não correr o risco de vê-la. 

Uma semana se passou, e o elefante vinha tendo uns sonhos estranhos desde sua conversa com Maya. Acordou assustado um dia, após sonhar com um vagalume falando para ele acreditar na sua própria luz. Não entendeu bem se era a luz do bumbum do inseto ou o brilho do coração do elefante. 

“Que sonho estranho”, pensou. 

Passou o dia tendo vontade de nadar.

Escreveu um bilhete dizendo que estava cansado da dor e da tristeza de viver sozinho, sem sua família e sem seus amigos. 

“Vou para a ilha”, escreveu, “vou realizar o meu sonho.”

Dobrou o papel, colocou-o dentro de uma garrafa de vidro e levou a garrafa com ele até a praia. 

Parou em frente à loja da boneca, deu um adeus para ela de longe e foi para a beira do mar. Sentou-se na areia, fechou os olhos, meditou um pouco, depois apreciou o sol se pondo atrás da ilha, os pássaros bailando no ar ao redor dela e até uma baleia que saltava lá no fundo. Tomou coragem, jogou a garrafa no mar e entrou na água também, nadando rumo ao seu sonho. 

A noite havia chegado, e o céu nublado bloqueava a luz das estrelas e da lua. O elefante logo descobriu que não tinha dificuldades para nadar. O problema era a falta de luz. Ele não conseguia ver nada, então não sabia para que lado ir.

Tudo era escuridão. 

Seguiu nadando, apesar de estar com medo. Fechou os olhos e se lembrou do sonho com o vagalume que lhe dizia para acreditar na própria luz. Aquele pensamento de alguma forma lhe deu confiança de que um milagre o levaria até à ilha. 

De repente, olhou para o fundo do oceano e viu vários peixinhos iluminados se juntando em fila e abrindo o caminho para ele. O coração do elefante se encheu de esperança!

Olhou para o céu e viu também vários vagalumes voando juntos e fazendo acrobacias perto dele. 

“Voo sincronizado”, pensou o elefante! Os insetos se organizaram e formaram uma estrela no céu. Se separaram e se juntaram de novo.  Agora formaram um coração, com seus bumbuns piscando. Depois formaram um avião, uma flor e até um dinossauro os danados dos vagalumes criaram no céu! Por fim, os vagalumes se organizaram e formaram uma seta indicando o caminho da ilha. O elefante seguiu nadando na direção apontada. 

“Que espertos esses insetos de bumbum brilhante!” Ele pensou, e seguiu nadando até a ilha, se sentindo leve como uma pluma. O gigante estava grato pela luz dos seus amigos do fundo do mar lhe mostrando o caminho, e feliz com seus amigos voadores e brincalhões iluminando o céu.

A garrafa com seu bilhete ficou no mar, e ele não viu para que lado foi. 

Maya havia assistido toda a cena da viagem do elefante até a ilha. Ela havia visto as luzes dos vagalumes e dos peixinhos. 

Alguns dias depois, a boneca foi comprada por um homem que viajava e queria levar um presente para a filha. Quando o pai de Chloe chegou de viagem, deu a boneca de presente para a menina e as duas se tornaram grandes amigas. 

Maya se orgulhava ao contar histórias sobre o elefante. A boneca mostrava feliz a mensagem que ele tinha deixado na garrafa e que ela tinha encontrado na areia tempos depois. 

“Fui a gotinha de esperança na vida daquele paquiderme medroso”, dizia Maya. 

Chloe se alegrava em imaginar as luzes dos peixes, dos vagalumes e o olhar feliz de um elefante realizando seu sonho. “

O Jardim de Chloe: Um jardim de gratidão e as incríveis aventuras de uma menina, suas bonecas, um gato e um elefante. (Portuguese Edition)
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Disponível na amazon também em inglês, Chloe’s Garden, tanto em formato ebook como livro físico.

 

 

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